16 maio, 2011

Karl Blossfeldt

Um olhar único,a sensibilidade de enxergar
elegância nas formas da natureza.
Precisão trabalhada no minimalismo,
nas sucessões e repetições, sequências e revoluções.
A simetria fractal.
Outras vezes uma sensualidade quase corporal
surge nos closes das estruturas botânicas,
delicadas e pudicas.
Rigor formal que aparece leve na
ousadia do design vegetal.

13 maio, 2011

30 anos sem Bob Marley

Completou-se 30 anos da morte do único pop-star que saiu do terceiro mundo, o sujeito que sempre cantou a paz fazendo uma música em que acreditava e que era tão adorado pelo seu público na Jamaica que seus shows eram para eles uma experiência tão mística quanto musical. É claro que não é preciso seguir a religião do sujeito para reconhecer a qualidade da música dele, da mesma forma que, guardando-se as devidas proporções, não é preciso ser luterano para amar a música de Bach. Um cara que assim como Raul Seixas e John Lennon morreu quando a nossa geração estava na infância e ainda nos emociona mais hoje, e é mais relevante, que qualquer músico que tenha surgido depois. Bob Marley foi genial como letrista e músico, e o seu exemplo, assim como o dos Beatles, serve sempre para provar que é possível agradar a milhões sendo inteligente e honesto, e principalmente, fazendo ótima música.

“Emancipate yourselves from mental slavery;
None but ourselves can free our mind.”

11 maio, 2011

Os cortes


Para você, Coração,
para quem não bastava gozar
mas era preciso sangrar,
componho este poema.
Para você, Coração,
para quem florar em rubro foi viver,
deveria escrever
uma canção.
Mas eu não sou um homem de canções, meu bem,
e de resto,
eu também não sei cantar.
O que eu devia mesmo é aprender
a ser cortado e a cortar,
a ser o corte,
a revelar-me
como você me fazia.
Você, que para mim em
fendas se abria,
sem pudor nem
medo.
Mas eu não sou um homem de revelações, meu bem,
você era carne viva e
hemorrágica de vida,
eu sou madeira velha que
já nasceu sem sangue.

E quem ensina às lâminas?
Quem lhes assopra
as suas falas?
O toque suave,
aveludado,
o metal dúctil e
laminável,
e os fios
micrometricamente afiados.
Um carinho mais
agudo,
ferramenta do homem
que vem se cortando desde sempre:
retalhamento,
esfacelamento,
desfigurado equilíbrio,
exercício de cutelaria
nas mãos de um deus afiador de feira.

Cortes de papel
no dedo,
cortes de gilete
no rosto.
E a profundidade não basta
aprofunda-se o corte,
e a vida,
mais que nunca viva,
aflora,
fonte pulsante colorida,
pelo coração da Terra
propelida,
quente lava de rubi.

Mas você quis um corte mais fundo,
Coração,
e eu não sei porque você
foi querer isso.
E no caminho da lâmina
se abriram
duas margens cor-de-rosa
onde brotou um rio sagrado
revelando
segredos que eu,
na minha incompetência,
nunca descobri
e nunca saberei,
porque para mim agora já é
tarde.

Só o princípio, meu bem,
foi inesperado,
o fim, anunciado,
como todo fim:
pingaram as últimas gotas,
respingaram e ondularam.
Não houve memória nem
cicatriz,
apenas você e mais
você derramada.
E eu,
cada vez menos,
me resto um pouco
cada dia.

Ah, Coração, se você soubesse...

Na vida tudo é
facas, carne e sangue,
e as fendas abertas na
carne.
Sangrar significa estar
vivo
e para morrer basta
estar vivo.
Todo mundo sabe disso,
e como corta,
Coração!

08 maio, 2011

De última hora

Frase roubada do Facebook de alguém: Na última semana beatificamos um papa, casamos um príncipe, fizemos uma cruzada e matamos um mouro. Bem-vindos à Idade Média!

Joel-Peter Witkin

O que é tão próprio do homem que,pleno de caráter humano,
ofende o próprio homem?
O que, ainda que natural do homem,
transbordante de humanidade,
é um espelho tão aviltante,
que o homem não se reconhece lá?
É uma tal dilacerada e nua verdade,
que derruba o pobre homem, escandalizado
ante o absurdo da natureza humana.
É daí que nasce no homem
o pavor de encarar a si mesmo,
que ofendido por ser homem,
numa negação de criança,
dá a tudo que é humano em excesso
o epíteto de desumano.

07 maio, 2011

Claustro

Foram jogados ali sem muito saber porquê. Naquela época não custava nada ir parar num lugar como aquele, um dos vários que havia – os tempos eram outros.

A antiga porta fechava como um cofre, entre o metal e as pedras da parede o lodo vedava hermético o ar. O postigo que um dia permitiu ao carcereiro, avô do de então, inspecionar os presos há tanto não era aberto que a ferrugem agora impedia que aberto fosse. As duas chapas de ferro que formavam a porta, rebitadas nas beiradas com uma bruteza que não se usa mais, não deixavam esperança de algum respiro cavado pela ferrugem ao longo dos anos, menor que seja.

Só havia na cela uma pequena entrada de ar, um buraco na parede, uma pedra que faltava, por onde fluía um estreito feixe de vento que sustentava ao máximo duas pessoas, e que dava não para fora, mas para um outro cômodo de onde não entrava luz quase nada, quem estava trancado não sabia ao certo se era dia claro ou noite.

Os cinco ali dentro fechados, aos poucos gastando o oxigênio do quarto, sentiam cada um que o ar que entrava era ralo, que não dava, rarefato demais. Puxavam com força corpo a dentro pela boca e nariz escancarados (e se pudessem também respirariam pela pele), mas o efeito era pouco, como uma água que por mais que se beba nunca que mata a sede, a sede urgente de ar. Tinham dores de cabeça que apertavam dos lados e por trás dos olhos, o corpo pesado mais que o dobro.

O maior se revoltou – gritava o carcereiro. Outros dois também se levantaram, manifestaram murros na porta que repercutiam em uma súplica surda. A menina e o velho haviam se resignado. O velho sentado com as costas na parede abriu os botões da camisa velha, a menina abraçou as pernas e descansou a cabeça nos joelhos ralados ainda há pouco. Fazia um calor desumano. Os três que se rebelaram estavam vermelhos, veias saltavam nos pescoços e nas têmporas. O suor aguava o chão.

O maior começou a ficar zonzo. Os outros chutavam a porta até os pés sangrarem. A cela parecia estreitar e inflar alternando uma pressão nos ouvidos com uma sensação de queda suave...

Pela manhã, quando o carcereiro veio ver como estavam, encontrou os três caídos, bocas e olhos abertos, o rubor nos rostos desaparecera junto com a vida. O velho e a menina dormiam, quase desmaiados. Vivos ainda.

02 maio, 2011

Mataram Bin Laden!!!

Mas o que isso quer dizer? Além do sentimento de vingança realizada que faz os americanos dançarem como dançaram os palestinos quando Ariel Sharon morreu, a que mais isso leva? À reeleição do Obama, claro. Porém matá-lo é pouco importante, sempre haverá outros, malucos e radicais são como os ratos da teoria da abiogênese, eles aparecem por conta da sujeira de quem mais os odeia, e quem os odeia não reconhece que a culpa é sua e jamais vai admitir a própria sujeira, preferindo acreditar que eles brotam da terra. Lembremos que eles patrocinaram Bin Laden na guerra contra a União Soviética. Agora há o Kaddafi, que já foi considerado terrorista, depois virou amigo do Ocidente e agora é o capeta outra vez. Tudo bem que os americanos não querem se envolver na guerra contra a Líbia com os abacaxis do Iraque e Afeganistão ainda espetando, mas isso um dia vai se resolver e aí eles vão procurar outro lugar pra jogar seus mísseis, porque é claro que eles precisam de guerras, a economia deles não vive sem as guerras, e guerras virão. Mas quem seria? O Paquistão, Liechtenstein, o Piauí?
Talvez todos, um novo passo está sendo dado. Os EUA estão criando um absurdo sistema espacial antimísseis com o pretexto de se protegerem de países como o Irã e Coréia do Norte, que não têm a menor condição de lançar mísseis intercontinentais. Na verdade o escudo antimísseis americano tem o objetivo de atacar e não de defender, foi criado com a desculpa de interceptar mísseis, mas é bem capaz de destruir satélites inimigos e atingir qualquer ponto do planeta em 30 minutos, aliás ele seria inútil se um país com um grande arsenal como a Rússia atacasse. O objetivo é bem outro. Frases como dominação do Espaço e soberania do Espaço são ditas o tempo todo nos pronunciamentos do militares responsáveis pelo projeto. No fundo o que eles querem é criar um sistema de tal ordem que todo o planeta se sinta como seu refém, criar um estado de terror, sim, terror, onde cada governante tenha plena consciência de que pode ganhar de presente uma bomba na cabeça a qualquer momento se não se alinhar com as posições de Washington. E mesmo que tais bombas nunca caiam, apenas o fato de estarem lá em cima já produz o efeito esperado. É possível sim que no futuro algum paisinho recalcitrante sirva como exemplo e leve algumas na cabeça para lembrar ao resto do mundo que os EUA podem destruir quem quiser e manter os outros países, principalmente os pequenos, na linha. Não foi o que fizeram em Hiroshima e Nagasaki? O tratado internacional sobre a regulação das armas espaciais proíbe o uso de armas atômicas, mas não de outros tipos de armas, e nesse instante pesquisas são feitas para colocar mísseis em órbita sobre nossas cabeças. Muitas vezes na ONU os outros países já tentara estender o tratado para a proibição também das armas não-nucleares, mas sempre receberam veto do EUA, apenas deles, cento e tantos países de um lado e os EUA de outro. É o mais ousado e monstruoso empreendimento do verdadeiro terrorismo em escala global, os EUA se tornando os ets de Independence Day, colocando o resto do mundo sob a sua mira.
foto: Osama Bin Laden nos anos 80 a serviço dos EUA treinando mujahedines para lutar contra os soviéticos

28 abril, 2011

Simples constatação

Talvez os Beatles não tenham sido maiores do que Jesus… mas pelo menos sabíamos que eles existiam.

— Alan Harvey

Retirado de ateísmo e peitos

20 abril, 2011

Rubem Braga – 200 crônicas escolhidas

Para se ler aos poucos, uma crônica por noite, melhor ainda, uma crônica por manhã, para iluminar o dia. Um livro para acompanhar você, para ser dado de presente. Reúne crônicas escritas durante toda a vida de Rubem Braga, que tinha o privilégio de possuir uma arte bela, capaz de transformar as coisas mais variadas em momentos de uma iluminação que clareia a nossa compreensão da vida. Uma menina morta na guerra, um corrupião que inicia uma série de eventos fantásticos, ou um pé de milho que cresce no jardim do escritor, motivos que servem como ponto de partida de histórias tão bem escritas que parecem que se escreveram por si mesmas, que extraem do simples o profundo de um modo tão natural que parece mesmo simples. Talento do maior cronista, o escritor do eterno que vem do instante, para ser descoberto todo dia.

07 abril, 2011

Fábula do animal apunhalado

Havia aqui um animal,
Neste mesmo lugar.
De um formato quadrado
Como uma caixa pesada,
O animal era como uma palavra.
Não recordo seu significado,
Mas não há dúvida de que significasse algo.
Tal outros animais, como o
Animal superfície
Que significa expansão e amplitude, pensamento,
E o animal esfera, potência e ação,
O animal cubo também em si continha significado.
Qual, é que não se sabe.
O certo é que o animal estava sangrando.
E eu não sei quem o apunhalou.
Ainda assim o sangue fluiu uma poça densa
Abrindo um lago onde o próprio animal
Acabou por se afundar e sumir.
Quando que o sangue secou
Nada restava além da lembrança do animal,
Que era quadrado como uma caixa
E sangrava.
É verdadeiro que ao ser apunhalado
Ele emitiu um grito ou gemido,
Pois mesmo um animal em formato de caixa
Tem o direito de se expressar numa hora dessas.
E é possível,
O seu grito de dor ainda talvez ressoe,
Lembrando que aqui houve
Certo animal,
Cujo significado se perdeu.

imagem: Kirsten Justesen, Sculpture II, 1969

03 março, 2011

Vamos pensar um pouco...

Lendo Islã, do Paul Balta, editado pela L&PM, livrinho curto e muito útil nesses tempos de rebuliço no mundo muçulmano, a impressão que fica é a que o Islã não é de fato pior que as outras duas religiões monoteístas, nem quanto a restrições nem quanto à sua trajetória. Porém mais ainda, há a certeza clara de que qualquer religião seguida no seu extremo é terrível. Agora, a questão é, alguma delas é realmente boa, mesmo em sua forma mais moderada?

26 fevereiro, 2011

James Nachtwey

Deus está morto,
ele suicidou-se na
manhã seguinte
quando compreendeu
o que havia criado.

25 fevereiro, 2011

Ode ao Peripatus

Um vermiforme terrestre
E bilateral segmentado,
Onicóforo aveludado,
Em balística perito-mestre
Cuja peripécia é lançar jatos
Em desavisados vaga-lumes
Que ele devora grudados
Em suas caçadas impunes.
Em nossa metade austral
É um perilustre animal,
Sendo da noite voraz
Um tigre das miudezas,
De longa barriga lilás
E vinte pares de pernas.
A ti que levas nome honrado
De aristotélica síntese,
Faço-te esta perífrase,
Peripatus ou Perípato.
Se quisesse a periegese
De onde vive o Peripatus
Nem lhe faria a perístase,
Bastando citar os estratos
Sob as folhas sobre o chão
Dos mais aquosos matos
Sob arbórea formação,
E ainda com sorte avistado
É seu delgado dorso azul
No mais escuro perídromo
De suburbano perímetro
Em nosso hemisfério sul.
Distribuído perigual,
Possui parentes períscios,
No perímetro meridional
Australianos periecos.
Pratica amor assim exótico,
Sem orifício específico,
Toda a amada é alvo profícuo,
Seu melhor objetivo erótico.
Tu que venceu perigos,
Remanesceu remotos períodos,
E sofre a perigosidade
Em que periga em perecer
Por culpa de humanidade,
Não te deixarei esquecer,
Pois ainda que perituro
Ou que recorra a perícope,
Podes saber que juro
Que contra o Homem míope
Peripatetizarei sobre ti,
Fenômeno da biologia,
Resumo da vida em si.
Só perdoe a periergia,
Mas quando o périplo fazes
De qualquer vulgar periferia,
É de tal elegante peristalse
Que periclito em perissologia.

23 fevereiro, 2011

Os peixes

Dizem que os peixes nunca param de crescer. Mesmo quando estão muito velhos eles ainda continuam crescendo, bem devagar, seu metabolismo diminui, e eles ficam no fundo dos rios, aqueles peixes enormes, seculares, arfando as guelras num contínuo movimento de fole, assoprando a vida para dentro, aspirando a inteligência dos rios, crescendo, crescendo, bem devagar... Então eles morrem, enormes, muito sábios.

19 fevereiro, 2011

Carnal

Seu corpo, querida,
é carne
Meu corpo é carne
também
Sessenta e cinco quilos
de carne
Somos só mesmo
carne
carne
carne
nada mais
Da sua faço
alimento
É carne caça
quando eu a persigo
É carne escassa
seus ossos empurrando a
pele
Mas é muita
nessa sua mania de
regime
É ousada, e você pede:
me come!
Sua carne é
nossa carne em
seu peso
que meu corpo
sustenta
É carne frouxa
quando envelhece
E sintética
se você pôr mesmo o tal
silicone
Sua carne declina
se descobre uma
celulite
Deprecia
se procuro
outra carne
Mas valoriza
quando sinto
saudade
Assim funciona o
mercado da
carne
Sua carne foge de mim
se eu esqueço do
aniversário
É carne ilícita
se eu a
estupre
Um alvo
se eu lhe
ejacule
E alva
se desistimos da
praia
Por fim,
sua carne é finda
no seu corpo que eu
sepulte
Sua carne é
minha
carne
Carne de segunda
Carne de todo dia
Carne que eu
mastigo,
engulo,
digiro,
vomito
e como de novo.