27 junho, 2010

Vovô viu a vuvuzela da vovó!


A China é o paroxismo da setorização. Cada cidade produz uma coisa, uma faz relógio, outra, canetas Bic. 70% dos isqueiros do mundo vêm de uma única cidade chinesa, todo mundo lá vive de fazer isqueiros. Se tal produto para de dar lucro, a cidade correspondente de uma hora pra outra muda de função. Digamos, se os chinelos já não vendem como antes, os habitantes da cidade-chinelo, sem explicação alguma, são informados que de agora em diante vão começar a fazer liquidificadores. Kafka puro! E nem precisa dizer, nada custa mais que quinze centavos pra ser fabricado por lá. Com certeza existe uma cidade chinesa que faz essas malditas vuvuzelas. Tomara que vão fazer pastel de cebola depois da Copa do Mundo, o povinho de lá.

24 junho, 2010

O andar de cima

Seu Agenor é um sujeito aposentado, sua única ocupação é construir um novo andar para sua casa. Na casa moram apenas ele e a esposa, não precisam de outro andar. Mas Agenor insiste, afinal eles têm filhos e netos que podem muito bem precisar do novo andar um dia. Os amigos de seu Agenor já morreram quase todos, ou então estão muito longe, ou então muito perto porém já não têm contato. Como não tem mais amigos, seu Agenor faz dos pedreiros seus amigos temporários, pagando-lhes às vezes por dia de serviço às vezes por empreitada.

Agenor tem esperança de que os filhos venham morar com ele agora que está velho. Mas eles não têm a mesma intenção, e mal o visitam. Os netos não gostam de seu Agenor, os mais novos nem mesmo o conhecem.

Ele continua adicionando novos andares à sua casa, já está no terceiro novo andar que constrói e está preocupado porque as obras vão mal. Não que ele tenha pressa, seus projetos (complicados, cheios de idas e vindas) são sempre de execução demorada, mas o hábito impõe que ele se preocupe, afinal, é seu dever.

No fim do mês seu Agenor decidiu construir uma grande churrasqueira no último andar. Tudo bem, eles não fazem churrasco há anos, mas quando houver ocasião a churrasqueira estará pronta, enorme e caberá quanta carne se queira, para alimentar todos os filhos e netos, e amigos, de longe e de perto.

Os planos de seu Agenor agora se concentram em cobrir o terraço com um belo telhado fechado nas laterais para que a família fique confortável e privativa em suas festas. É claro que eles nunca fazem festas, mas sempre pode surgir uma oportunidade futura. O filho mais velho diz que o telhado vai cobrir a churrasqueira e a fumaça vai encher o terraço. Mas Agenor já teve a idéia de construir uma chaminé colossal que jogará para o alto a fumaça e as cinzas.

Seu Agenor morreu. Seus filhos e netos e todo o resto da família se reuniu no último andar da casa para velar-lhe o corpo. O velório virou a noite, ao amanhecer os parentes já estavam cansados e desanimados. Então alguém inventou de pedir cerveja, para homenagear o velho, e junto com a cerveja pediram carne. O churrasco já durava quatro horas quando acabou o carvão. Aí algum amigo, ninguém sabe se de longe ou de perto, teve a idéia de jogarem o caixão de seu Agenor na churrasqueira. Mas claro que esqueceram de tirar Agenor de dentro, e ele queimou até o fim do dia soltando sua fumaça pela chaminé, e a festa corria animada entre os parentes e amigos de seu Agenor.

23 junho, 2010

Blogosfera através dos tempos

Machado até tinha um blog elegante, mas não empolgava o povão. Polêmica boa mesmo quem postava era Nelson Rodrigues.

21 junho, 2010

Sangue

Ela sai mais cedo que eu, porque trabalha mais longe, e sou o número dois no uso do banheiro nos dias da semana útil. Então hoje quando levanto a tampa da privada: papéis higiênicos sujos de sangue espalham fiapos rubros na água; conclusão: ela está menstruada. Parece uma coisa feia dizer isso assim desse jeito; mas é um fato corriqueiro da vida que as mulheres ficam menstruadas, e como tal deve ser tratado. Mas não, espere um pouco, ela não pode estar menstruada hoje; mesmo que eu seja um homem, e portanto, ignorante às datas, disso eu tenho certeza, ela menstruou há uma semana. Eu tinha uma namorada, ou algo menos que namorada, que me enrolava com essa história de menstruação; mas era porque nos víamos com pouca frequência, às vezes com mais de vinte dias de espaçamento, então não havia jeito de lembrar qual tinha sido a última vez, e por isso ela me enrolava. Quando eu fazia uma grosseria qualquer, ou esquecia de alguma coisa da qual jamais podia ter me esquecido, aí, era certeza: ela ia estar menstruada. E é um ato muito de mau gosto conferir, ainda que discretamente, se uma mulher está mesmo menstruada. Tudo bem, também é feio falar dessas coisas menores, mas é um outro fato corriqueiro (e vergonhoso) da vida que os homens cogitam tais atitudes.

Então quando dá a hora do almoço arrumo um tempo e ligo para ela: Tá tudo bem com você, amor? tinha sangue na privada... O nariz... sei... E agora, já parou? Então tá. Beijo!

Parece uma espécie de egoísmo dos homens não lembrar que as mulheres também sangram por outros lugares, mas a natureza é mesquinha mesmo. Mas de repente, por causa disso, ela ficou mais perto de mim. Ela sangrou pelo nariz. Pode não ser nada de mais, uma cutucada com aquelas unhas finas, mas ela sangrou, vocês entendem? E por conta disso senti por ela uma ternura fora do normal. É uma pena que junto me apareça também a ideia imbecil de ela enfiando um Tampax no nariz para conter o fluxo. É uma calamidade o que somos nós homens!

Por via das dúvidas pergunto a uma das moças que trabalham comigo, pergunto a uma moça porque acho que um homem jamais saberia, pergunto a ela o que é bom para estancar um sangramento no nariz de uma pessoa. E ela me responde: Manda essa pessoa enfiar um Tampax no nariz! e sai andando num passo socado, muito brava. Se esse estresse todo é culpa do namorado, hoje essa aí vai estar menstruada, aposto. Ah, nós homens... que calamidade!

20 junho, 2010

Coadores e chicletes

Tem um cego velho numa esquina do centro que desde a origem do mundo vende coadores de café de pano, sentadinho numa cadeira de armar com a bengala dobrada do lado: Vende coadores bons e baratooooos! Nunca vi ninguém comprando. Eu também não compraria, nem desentupidores de fogão nem o giz chinês que mata barata, mata rato... Mas alguém deve comprar coadores bons e baratos, porque o cego está lá, mesmo sem mascar chicletes como o da Clarice Lispector. Talvez pra um velho e cego que vende coadores baratos chiclete seja um luxo danado.

17 junho, 2010

Clarineta

Ele era um rapaz realmente muito feio. Mas tocava clarineta tão bem na banda do colégio, no segundo grau, que todas as meninas se apaixonavam por ele. Fazia bastante sucesso, você sabe como as meninas são.

Por causa desse talento musical, entrou no curso de música, na faculdade, na capital. Mas para surpresa da família, retornou antes do fim do primeiro período, abandonando o curso.

Um amigo lhe perguntou: Por que você desistiu do curso de música? Na escola, respondeu ele, por causa da clarineta, eu me destacava dos outros, mas lá no curso, onde todos são bons músicos, eu sou só um cara feio.

16 junho, 2010

Feliz Bloomsday!

Seu Bloom, palmeirense velha guarda, comerciante de responsa, cismou de dar uma banda pelos lados do centro até a zona leste, terrinha de mano, só pra ver qualé. Entrou no bar errado e tomou uma escovada de um corintiano vida loka que ficou muito enfezado com a folga do gordo. Magoado, resolveu desembocar em Santos pra dar uma espiada nas tchutchucas. Lá pelas tantas encontrou com Stephen Dedalus de Souza que vinha de uma manifestação por aumento de salário dos professores do Estado. Os dois embicaram umas doses de Velho Barreiro e aproveitaram a coragem pra dar um pulinho na “casa das primas”, propriedade de Oscar Maroni, só pra apreciar. Como a coisa não fluiu bem devido ao preço da carne, os dois saíram de mansinho sem pagar a conta e foram dar uma mijadinha no jardim. Entrando em casa Popoldo deu de cara com a patroa muito ouriçada, que, pelo que se comentava à boca miúda, punha uns galhos no velho. Na ocasião, Joyce publicou no seu blog que tudo não passou de traquinagem.
foto: Eve Arnold, 1955.

15 junho, 2010

O presságio

Espalhou-se que o menino nasceu com “feições equinas”, uma cara comprida e muito feia, o que teria feito a enfermeira dizer: Cruzes, doutor, que menino feio! Feio é o que vai acontecer nessa cidade dia dez, teria respondido o recém-nascido, ao que a enfermeira desmaiou, ou caiu morta. Em seguida a criança faleceu, do que se conclui que teria vindo ao mundo apenas para pressagiar a desgraça. Outra fonte diz que dele saíram asas e que saiu voando janela afora, porém não se dá crédito a essa versão, pois por motivos de higiene, não há janelas que se abrem na maternidade. O que interessa é que na noite do dia dez uma intensa chuva fez cair a energia, e as pessoas saíram às ruas mesmo debaixo do aguaceiro para implorar aos céus, e telefonaram a todos os conhecidos para se despedir, e até aos desafetos para acertar as pazes e pedir desculpas antes do julgamento final. Como o amanhecer teria nascido normalmente, certa decepção podia ser percebida em algumas crianças que ainda inspecionavam as últimas nuvens com expectativa. Um amigo, que esteve presente na ocasião dos fatos, disse que se riu muito.

14 junho, 2010

Sim, um blog

Escrever um blog é apenas um exercício de presunção e ociosidade, não se deve dar lá muita importância.