24 julho, 2010

Urso

O porco é um animal inteligente, mais que o cachorro. Pouca gente sabe. Tratado bem é o bicho mais manso; agora, se não, vira uma fera, volta no javali que é de onde veio. Você já viu como eles são perigosos na hora que querem: aqueles dentes que eles têm escondidos, que batem o de cima no de baixo afiando sem parar... igual facas! Se você juntar dois cachaços eles brigam até morrer um só ou os dois.

Já vi notícia de um porco que se criou solto, cresceu num monstro. Matava e comia as vacas das fazendas, como se fosse uma onça. Mataram no tiro. Eu não duvido.

Urso é uma outra história, tinha sido comprado para reprodutor ainda novo, e o dono da granja deixou ele com o seu Sebastião para ser criado de perto, valia muito. Tião era o tratador da granja, um homem pequeno que mexia com porco desde pequeno, sempre visto calçando as botas de borracha que usava para cuidar dos porcos. Ele levava Urso para cruzar as porcas, soltava para tomar sol e exercitar, criava na mão, como se diz.

Os porcos não ficam muito tempo na granja, nem as matrizes que, arrebentadas de tanto fabricarem leitões, são descartadas depois de uns anos. Mas Urso foi ficando, era um bom reprodutor: muito grande, do tamanho de uma vaca, e muito manso. Quase amestrado. Sebastião toda vez que perguntava: Né, Urso? O bicho balançava a cabeça. Todo mundo gostava, e diziam, brincando ou advertindo o dono da granja, que Urso tinha de morrer de velho, tinha de ser preservado como de estimação. E até o patrão achava boa a idéia. Seus filhos pequenos quando chegavam para visitar a granja iam logo correndo até onde o porco ficava, e ele vinha cheirar as crianças que gostavam de coçar a sua cabeça até ele deitar e dormir, roncando como um porco.

Sebastião vinha dar comida, as crianças em volta, e Sebastião perguntava: Não tem nenhum porco maior que você aqui, né, Urso? E o porco respondia. Ninguém aqui é mais porco que você, né, Urso? E o bicho balançava a cabeça. Até a mulher de seu Sebastião fazia graça: Tião e o seu amigo porco!

À tarde o tratador gostava de sentar no cercado onde crescia um mato falho das fuçadas dos porcos, com o sol lhe esquentando o chapéu, soltava Urso para o animal se espojar, e cortava um fumo de rolo, grosso, que picava bem miúdo para fazer seus cigarros, o porco vinha atrás daquele cheiro doce e Tião jogava um pedaço maior na boca dele para ele mascar: Fumo bom é esse, né, Urso...

Numa manhã de calor Sebastião limpava a baia de Urso, subindo e descendo do muro para contornar o bicho que gostava de ir cheirar as mãos do homem, que era de onde aprendera que vinha a comida. Somos bons amigos, né, Urso? O porco balançou a cabeça como sempre, mas esbarrou seu dente, maior que o dedo de uma mão grande, na coxa de Sebastião que descia do muro, acertou a perna por dentro, cortou aquela artéria grossa que tem por dentro na perna. O homem gritava o porco gritava. E o povo veio acudir sem saber o que era, mas o sangue aguava o chão do chiqueiro, e puxaram o homem de dentro da baia pelos braços, mas não tiveram tempo de salvar o homem. Seu Sebastião tinha 53 anos.

Mataram o porco no dia seguinte. Mataram por matar, de raiva e de medo. Porque nem a carne de porco que não é castrado dá para comer, tem um cheiro que não se suporta.

2 comentários:

  1. Bicho.
    Você sabe que te admiro. Sou um dos seus leitores mais empolgados. Mas na boa mesmo, dá seu jeito cara. Num dá mais! Não sei o que você tem pensado da vida!!!... Sinceramente... Como eu tenho lido algumas coisas que você escreve ha quase 8 anos, tenho visto sua evolução. Fenomenal. Um estilo ímpar de se expressar. Objetivo e intrigante. Invista nisso! Mete a CARA! Procure aumentar o numero de leitores. E conte comigo.
    Muito bom mesmo!

    Abração do seu AMIGO,

    Precata

    ResponderExcluir
  2. Opa , tô aqui também!

    Luiz Felipe

    ResponderExcluir