24 junho, 2010

O andar de cima

Seu Agenor é um sujeito aposentado, sua única ocupação é construir um novo andar para sua casa. Na casa moram apenas ele e a esposa, não precisam de outro andar. Mas Agenor insiste, afinal eles têm filhos e netos que podem muito bem precisar do novo andar um dia. Os amigos de seu Agenor já morreram quase todos, ou então estão muito longe, ou então muito perto porém já não têm contato. Como não tem mais amigos, seu Agenor faz dos pedreiros seus amigos temporários, pagando-lhes às vezes por dia de serviço às vezes por empreitada.

Agenor tem esperança de que os filhos venham morar com ele agora que está velho. Mas eles não têm a mesma intenção, e mal o visitam. Os netos não gostam de seu Agenor, os mais novos nem mesmo o conhecem.

Ele continua adicionando novos andares à sua casa, já está no terceiro novo andar que constrói e está preocupado porque as obras vão mal. Não que ele tenha pressa, seus projetos (complicados, cheios de idas e vindas) são sempre de execução demorada, mas o hábito impõe que ele se preocupe, afinal, é seu dever.

No fim do mês seu Agenor decidiu construir uma grande churrasqueira no último andar. Tudo bem, eles não fazem churrasco há anos, mas quando houver ocasião a churrasqueira estará pronta, enorme e caberá quanta carne se queira, para alimentar todos os filhos e netos, e amigos, de longe e de perto.

Os planos de seu Agenor agora se concentram em cobrir o terraço com um belo telhado fechado nas laterais para que a família fique confortável e privativa em suas festas. É claro que eles nunca fazem festas, mas sempre pode surgir uma oportunidade futura. O filho mais velho diz que o telhado vai cobrir a churrasqueira e a fumaça vai encher o terraço. Mas Agenor já teve a idéia de construir uma chaminé colossal que jogará para o alto a fumaça e as cinzas.

Seu Agenor morreu. Seus filhos e netos e todo o resto da família se reuniu no último andar da casa para velar-lhe o corpo. O velório virou a noite, ao amanhecer os parentes já estavam cansados e desanimados. Então alguém inventou de pedir cerveja, para homenagear o velho, e junto com a cerveja pediram carne. O churrasco já durava quatro horas quando acabou o carvão. Aí algum amigo, ninguém sabe se de longe ou de perto, teve a idéia de jogarem o caixão de seu Agenor na churrasqueira. Mas claro que esqueceram de tirar Agenor de dentro, e ele queimou até o fim do dia soltando sua fumaça pela chaminé, e a festa corria animada entre os parentes e amigos de seu Agenor.

3 comentários:

  1. cara, isso é muito bom de ler!

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  2. Isso é sério..
    Tenho um vizinho exatemente assim sô.
    Ele é disquitado, de apelido Pepe. Tem uma filha lesbica e a casa tem 2 andares. Quatro suites. Duas churrasqueiras. Outro dia me chamou prum churrasco. Que chatisse. Ele, eu e outros 2 companheiros de serviço aqui. Não se podia arredar as cadeiras porque arranharia o piso. Não se podia colocar os copos na mesa de marmore porque mancharia. Levei o violão... triste ilusão. Ele não gosta de barulho. Não se podia usar o banheiro do terraço porque a empregada odeia ter que limpá-lo. Começou as 19 e as 21 ele recolheu os copos. Deu tchau. Disse que nos esperaria ansiosamente para um próximo.

    Isso é sério.

    Precata

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  3. Eu ainda estou pensando se esta é uma história triste ou feliz... Tinha tudo para acabar mal, com todo aquele pesar e lamento pelo que não foi aproveitado e a inutilidade de paredes construídas. Mas surpreendentemente a coisa mudou o rumo sem dar seta e estou agora na dúvida...

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